O diretor do Center for Civic Media, do MIT, fala do Promise Tracker, programa que vai colocar na mão do cidadão ferramenta de avaliação do poder público
MIT Ethan Zuckerman Foto: Jadyr Pavão Júnior |
Um time de trinta pessoas vai começar a circular por São Paulo com celulares à mão e uma missão: conferir se o prefeito cumpre o que prometeu em campanha. A inteligência do programa que vai comparar promessas e realidade vem do Massachusetts Institute of Technology (MIT): é criação do professor Ethan Zuckerman, diretor do Center for Civid Media. No futuro, o sistema poderá ser usado por qualquer pessoa, que se tornará fiscal do poder público. A ideia por trás da ferramenta é que, em tempos de divórcio entre cidadãos e políticos, votar não basta. "Monitorar governos é uma forma vital de exercermos o poder", diz Zuckerman, que visitou as capitais paulista e mineira na semana passada para apresentar a ferramenta aos usuários que vão testá-la. Na prática, o Promise Tracker é um programa simples e em desenvolvimento para smartphone. Com o aparelhinho em mãos, os usuários podem visitar as ruas da cidade recolhendo informações geolocalizadas em texto, foto ou vídeo acerca da infraestrutura que encontram no local. Os dados são, então, colocados em um mapa e podem ser cotejados com as promessas de campanha de um governante. Os corredores de ônibus foram construídos? As escolas estão funcionando? E assim por diante. Por trás da ferramenta, está a convicção de Zuckerman de que o papel do cidadão não é apenas reclamar do administrador de plantão, mas também fiscalizar os poderosos, medir sua performance e eventualmente colaborar. "A esperança é que a confiança nos governos seja recuperada e que os governos se tornem mais dignos de confiança", diz. Na entrevista a seguir, ele fala sobre os testes do Promise Tracker e comenta os protestos ocorridos em junho, fruto de uma crise de "desconfiança pública", na visão dele.
Qual é a ideia por trás do Promise Tracker? Um professor da Universidade Columbia chamado Michael Schudson escreveu um livro há 15 anos em que afirmava que a maneira como pensamos a democracia está errada. Achamos que nossa tarefa é ler jornais e assistir a telejornais diariamente para saber o que os governantes estão fazendo e, a cada quatros anos, usar as informações que obtivemos para escolher nossos representantes. Isso estaria errado por duas razões. Primeiro, porque em geral não estamos tão bem informados sobre a vida pública. Em segundo, porque é inconcebível que as eleições sejam a única oportunidade em que damos nossa participação à vida pública. Qual seria o sistema mais participativo? Aquele em que a tarefa mais importante do cidadão é monitorar as tarefas do governo. É um trabalho habitual dos jornalistas, mas que poderia de certa forma ser executada também pelo cidadão. Monitorar governos é uma forma vital de exercermos poder. Os movimentos de transparência pública já trabalham nesse sentido, mas se concentram no acompanhamento das despesas governamentais. É só uma parte do trabalho. Com o Promise Tracker, pretendemos monitorar tudo: um prédio cuja construção foi prometida está de fato sendo erguido? O trabalho está bem feito? Está no lugar certo? E assim por diante.
O que é possível monitorar? A melhor maneira de fazer isso é monitorar a situação da infraestrutura pública. Qual a condição das estradas? Elas estão melhorando com o passar do tempo? Quantas escolas foram construídas? Quantas vagas elas oferecem? Em São Paulo, há um movimento em favor do uso das bicicletas para o deslocamento, embora pedalar seja uma atividade reconhecidamente perigosa na cidade. Seria possível mapear, por exemplo, os locais onde houve mais acidentes ou onde há mais obstáculos aos ciclistas. Essas são coisas concretas e podem ser monitoradas.
Como está sendo feito o teste em São Paulo? Em São Paulo, o prefeito é obrigado a publicar suas promessas. A atual gestão apresentou 123 objetivos de governo. Vamos alimentar o Promise Tracker com essas informações, iniciar o monitoramento e averiguar se as promessas estão sendo cumpridas ou não. Dezenove conselheiros municipais e cerca de dez pessoas da ONG Nossa São Paulo participaram do workshop do Promise Tracker, além de cerca de quarenta pessoas em Belo Horizonte. Seremos então responsáveis por atualizar o programa, localizar os dados recolhidos pelos usuários e colocá-los no mapa. Nosso trabalho é prover a ferramenta. O uso que será dado a ela depende de seus usuários. A Nossa São Paulo, por exemplo, planeja criar um site para que os usuários acrescentem mapas e dados relativos ao monitoramento de um objetivo. São tarefas nas quais os cidadãos podem ajudar o governo. A corrupção muitas vezes não se dá quando o governante coloca dinheiro no bolso, mas quando a administração pública faz o pagamento para que alguém realize um trabalho e a tarefa não é feita.
De que forma esse monitoramento pode pressionar o governo a melhorar sua atuação? Durante nossa passagem por Belo Horizonte, os participantes do workshop foram incentivados a fotografar pontos em que lixo se acumulava na favela Santa Luzia. A partir daí, vemos três formas possíveis de ação. A comunidade pode fazer um mapa mostrando os pontos de acúmulo de lixo, procurar o governo e dizer: "Vejam, mapeamos a situação. Agora, vocês precisam nos apresentar um calendário de coleta." No segundo cenário, os moradores procuram a imprensa, que pode amplificar a queixa. Finalmente, com os dados em mãos, a própria comunidade pode tentar resolver o problema. São três caminhos válidos. Eu espero que o primeiro seja bem-sucedido, pois acredito que os governos são de fato importantes. A falta de confiança nos governos que testemunhamos é consequência do fato de que o governo não percebe que é responsável pelas pessoas e essas pessoas, por sua vez, não sabem como influenciar seus governos.
O senhor acompanhou os protestos ocorridos no Brasil em junho do ano passado? Qual é sua impressão? Eu almocei com o prefeito Fernando Haddad durante minha visita a São Paulo. Ele leva a sério a ideia de transparência. E está muito frustrado porque queria mais dinheiro proveniente de impostos sobre a propriedade (IPTU) e das tarifas de ônibus para realizar projetos para a cidade. Porém, toda vez que ele tenta fazer isso as pessoas dizem: "Não acreditamos que o governo nos dará alguma coisa em troca." Ele sabe, portanto, que é uma questão de confiança. Deixe-me construir um paralelo com o que aconteceu na Nigéria. O movimento Ocupe Nigéria, que tomou as ruas do país africano, começou por causa de uma mudança na taxação da gasolina. O país mantinha um subsídio ao combustível, o que favorecia as classes mais abastadas, porque lá os veículos ainda são privilégio dos ricos. Quando o governo cortou o subsídio, e os preços do combustível subiram, as pessoas foram às ruas queimar pneus, inclusive as pobres. Por quê? Quando os subsídios foram cortados, os preços da água, do transporte, entre outros itens, também subiram. Tentando contornar a crise, o governo disse que usaria o dinheiro economizado com o corte de subsídios para construir escolas e hospitais, mas o povo respondeu: "Não acreditamos em você. Não acreditamos que o governo possa resolver nossos problemas. Vocês retiraram a única coisa que tínhamos: combustível barato."
É o que, na sua opinião, acontece no Brasil? De certa forma, sim. O prefeito prometeu fazer muitas coisas pela cidade, mas precisava de mais dinheiro. As pessoas responderam: "Nós não acreditamos em você." É uma questão de desconfiança pública. O desafio é: como reconstruir essa confiança. Uma das razões que me levou a construir o Promise Tracker é a possibilidade de fazer com que as pessoas gostem mais dos governos. O monitoramento do cidadão não é contra o governo. Ele pretende ajudar as pessoas a perceber que o trabalho do cidadão não é apenas reclamar, mas também reunir dados que revelem quais queixas são justificadas e quais são efeito da falta de confiança no governo. A esperança é que a confiança seja recuperada e que o governo se torne mais confiável. Precisamos encontrar um caminho em que faça sentido confiar no governo. Ainda estamos no começo desse processo, é claro. Estamos falando de mudança, da transição de um modelo em que você pede a um político que ele resolva seus problemas para outro em que você estuda o problema, reúne dados, analisa informações e trabalha com os políticos para resolver o problema.
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