Encerramento das atividades do tradicional recinto divide opiniões. Preocupadas, mães e representantes da comunidade local preparam manifestação para tentar mudar medida do Ministério Público
Por: Mara Puljiz
Estabelecimento, criado em 2001, é fundamentado no princípio do parto humanizado e existe em outros países
A Casa de Parto de São Sebastião será desativada. A determinação é da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, com base em uma recomendação feita pelo Ministério Público e no Conselho Federal de Medicina (CFM). Segundo o subsecretário de Atenção à Saúde, José Carlos Quinaglia, a medida foi acertada durante reunião na última segunda-feira e deverá ocorrer no próximo mês, quando os oito enfermeiros da unidade serão transferidos para o Hospital Regional do Paranoá (HRPA). “O local onde funciona a Casa de Parto não é adequado. Ela deveria ficar acoplada a uma maternidade para que, toda vez que ocorresse uma complicação na hora do parto, a paciente pudesse contar com intervenção obstétrica, mas a unidade vinha funcionando de forma precária e agora os enfermeiros vão trabalhar com obstetras. A ideia é oferecer mais segurança para as gestantes”, disse.
A partir de abril, as gestantes que entrarem em trabalho de parto em casa terão de ligar para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Os médicos da ambulância atenderão as parturientes, como normalmente ocorre em todo o DF. A notícia trouxe desconforto para muitas mulheres de São Sebastião, principalmente para aquelas que não dispõem de carro particular e dependem de ônibus para se deslocar.
A dona de casa Ana Paula Marques, 25 anos, mora na zona rural Chapada. Para chegar ao centro de São Sebastião, ela gasta pelo menos meia hora de ônibus. Do Paranoá até lá, é quase uma hora. Onde Ana Paula mora, os ônibus passam três vezes ao dia, mas não existe linha direto para o Paranoá. “Se não fosse a Casa de Parto, eu teria ganhado minha filha (hoje, com cinco anos) na rua. Onde eu moro, teve uma mulher que ganhou neném em casa porque o Samu não chegou a tempo”, contou.
A Casa de Parto foi inaugurada em 2001 e ocupa uma dependência da Unidade Mista de Saúde da cidade. Ela tinha como missão humanizar o atendimento das gestantes e facilitar o acesso das mães. Desde então, cerca de 5 mil bebês nasceram no local. Segundo a coordenadora da instituição, Gerusa Amaral de Medeiros, a média é de 20 partos e 500 atendimentos mensais. Até o ano passado, 11 médicos obstetras acompanhavam o nascimento de crianças na unidade, mas todos eles foram remanejados para o Hospital do Paranoá.
Infraestrutura
Para o subsecretário José Quinaglia, a falta de especialistas e o déficit de aparelhos médicos necessários para procedimentos de urgência impedem a Casa de Parto de continuar as atividades. Na visão do presidente do Conselho Regional de Saúde, Vilson Mesquita, porém, com o fechamento da casa, as gestantes de São Sebastião passam a correr risco dobrado, uma vez que elas terão de se deslocar para o Paranoá quando entrarem em trabalho de parto. “A distância entre São Sebastião e Paranoá é muito grande e quase não tem ônibus de uma cidade para outra. A maioria das pessoas não tem carro e então vai ser um caos para as mães. Na Casa de Parto, tem profissionais excelentes e seria mais fácil enviar médicos em número suficiente para lá do que deixar a cidade 100% descoberta”, defendeu.
Ainda segundo Mesquita, as mulheres grávidas são assistidas na unidade de saúde, fazem o pré-natal e são orientadas durante toda a gestação. Do ano passado até hoje, ele estima que pelo menos 200 crianças nasceram no local. “Cerca de 40% dos partos do Paranoá são de mães de São Sebastião. É a cidade onde mais nascem crianças”, disse. A notícia do fechamento pegou muitas mulheres de surpresa, mas outras admitem ter medo de realizar parto sem a presença de um obstetra. É o caso da dona de casa Nataly Mara da Silva Sales, 21 anos. Ela preferiu ir até o Hospital Regional do Paranoá para ter a pequena Tayla, de seis meses: “Não tive coragem (de procurar um obstetra) porque, caso acontecesse alguma complicação, não tinha nem como bater ecografia, mas não tenho do que reclamar das enfermeiras da Casa de Parto, porque sempre me acolheram muito bem”.
Mobilização
Para sensibilizar a Secretaria de Saúde a manter a Casa de Parto, mães e diversas pessoas da comunidade organizam uma manifestação para a próxima quarta-feira, às 9h30. Com faixas e cartazes, a população promete se juntar para evitar que os enfermeiros deixem a Unidade Mista de Saúde. Segundo o presidente do Conselho Regional de Saúde, Vilson Mesquita, no próximo dia 24, integrantes da Comissão de Saúde da Câmara Legislativa do DF (CLDF) também marcaram de visitar a Casa de Parto.
Mesquita acredita que a instituição não pode deixar de existir. “São poucos os partos na Casa de Parto de São Sebastião, mas uma vida salva já é muita coisa. É melhor ter profissionais para atender as mães do que elas ganharem neném no meio da rua e pegarem alguma infecção. Se sem obstetra é arriscado, sem obstetra e enfermeiro fica muito pior”, acredita. Segundo José Carlos Quinaglia, uma nova conversa deverá ser agendada com enfermeiros de São Sebastião. Ele explica que a maternidade do Hospital do Paranoá está toda equipada para receber os profissionais, mas que eles terão opção de escolher para qual hospital do DF querem ir.
Esta mobilização contará também com a presença de Ivonildo Di Lira e de demais lideranças comunitárias de São Sebastião.
O número
5 mil - Número estimado de crianças que nasceram na Casa de Parto desde sua fundação, em 2001
Para saber mais
Operação humanizada
Os chamados Centros de Parto Normal foram criados por meio da Portaria de Nº 985/611 do Ministério da Saúde, publicada em agosto de 1999 no Diário Oficial. Pelo documento, não há a obrigação dessas casas de partos serem vinculadas a hospitais, assim como não há a exigência de um médico. Atualmente, existem 14 unidades desse tipo no Brasil. O parto humanizado é muito valorizado em países como Japão, França e Países Baixos. No Brasil, a proposta ainda enfrenta muitas críticas e é alvo de discussões entre enfermeiros e médicos. A ideia é diminuir as cesarianas, as medicações e as intervenções desnecessárias, assim como permitir que as parturientes decidam sobre seu próprio corpo.
Fonte: Correio Braziliense