POR SALVADOR NOGUEIRA
Se alguém ainda duvidava que China e Índia estão em sua
corrida espacial particular, agora não há mais por que questionar. A ISRO, a
“Nasa” indiana, acaba de anunciar o primeiro voo de sua própria espaçonave
destinada a colocar seres humanos em órbita.
O lançamento-teste da cápsula, construída pela empresa HAL
(Hindustan Aeronautics Limited), deve acontecer entre abril e junho deste ano,
embarcado num foguete GSLV Mark III, também desenvolvido pela Índia, e em fase
de voos experimentais.
O custo do projeto até agora excedeu a marca de US$ 4
bilhões, em oito anos. Os estudos preliminares de design foram iniciados em
2006 — três anos depois que os chineses se tornaram o terceiro país a
desenvolver a capacidade de colocar astronautas em órbita, igualando os feitos
de russos (1961) e americanos (1962).
A primeira missão — naturalmente não-tripulada — testará
sistemas de controle, navegação e pouso, num voo suborbital. Caso tudo dê
certo, o próximo passo será testar o suporte de vida, controle ambiental e
sistema de escape da tripulação (em caso de falha no lançamento). Só então eles
poderão começar a cogitar o envio dos primeiros astronautas. Segundo analistas,
é possível que isso só venha a acontecer por volta de 2020, em razão de
dificuldades com o potente lançador, embora os planos originais previssem uma
missão tripulada já em 2016.
Será a cápsula tripulada mais modesta em operação, mas ainda
assim trata-se de um grande feito do programa espacial indiano, que vai bem
além desse projeto. O país tem um programa robusto de exploração
interplanetária. Sua primeira sonda lunar, Chandrayaan-1, foi lançada em 2008 e
operou em órbita durante um ano. No ano passado, os indianos lançaram sua Mars
Orbiter Mission (MOM), também chamada de Mangalyaan. A espaçonave está a
caminho do planeta vermelho, e até agora tem sido um sucesso.
Em 2017, deve partir a Chandrayaan-2, que levará um jipe até
a superfície da Lua. (Qualquer semelhança entre os passos chineses no espaço,
cujo último grande feito foi levar o rover Yutu à superfície lunar no fim do
ano passado, não é mera coincidência.)
VALE A PENA?
É natural que muitos se perguntem: num país com 1,2 bilhão de
habitantes, a maioria mergulhada na pobreza, é indecente a Índia investir em
exploração espacial? Não só não é nada vergonhoso, como é visionário.
Ao contrário do que se costuma pensar, a exploração espacial
não consome recursos. Ela gera recursos. Estudos nos Estados Unidos mostraram
que, para cada US$ 1 investido pelo governo americano em seu programa espacial,
a indústria acaba gerando US$ 10 em produtos e serviços de alta tecnologia.
Trata-se de um investimento nacional com potencial de 1000% de retorno!
Não é à toa que, dos gloriosos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e
China), os supostos “donos da bola” na atual economia mundial, todos (menos
nós) investem pesadamente em sua indústria espacial. Eles já sacaram que é
assim que podem reduzir a pobreza em seus próprios países, além de projetar seu
poderio tecnológico e dar a seus respectivos povos o direito de sonhar com a
grandeza. Só aqui o governo ainda não se deu conta de que precisa despertar o
“Gigante espacial”.
É verdade que três desses quatro países têm motivação bélica
para desenvolver seus foguetes. A Índia vive uma eterna miniguerra fria com o
vizinho Paquistão, a China tem ambições militaristas óbvias, e a Rússia está no
negócio do armamentismo pesado desde a Segunda Guerra Mundial. Contudo, achar
que isso explica tudo — e que portanto certo está o Brasil de não desenvolver
essas tecnologias — é de uma miopia ímpar. Primeiro porque ter acesso próprio
ao espaço, assim como os meios de explorá-lo, é questão de soberania, não de
belicismo.
Exemplo: vemos nossa querida presidente estrilando sobre
espionagem gringa e defendendo a construção de um Satélite Geoestacionário
Brasileiro, para que nossas comunicações civis e militares possam ser feitas
sem o uso de sistemas estrangeiros. E aí quem a Agência Espacial Brasileira
contrata para construí-lo? A empresa europeia Thales Alenia Space, a um custo
de R$ 1,3 bilhões. Depois, como reclamar?
É verdade que o acordo, assinado em dezembro do ano passado,
inclui um contrato em separado com a companhia europeia voltado para
transferência de tecnologia em telecomunicações. Mas é ingenuidade (ou malícia,
como queira) de nossos governantes sugerir aos contribuintes que podemos
“comprar” nosso caminho em meio às tecnologias espaciais de ponta. Não podemos.
País nenhum entrega o ouro desse jeito, num setor estratégico. Enquanto isso,
nossos engenheiros no IAE e no INPE vivem de recursos pingados a conta-gotas e
de um plano de longo prazo que a cada cinco anos atrasa meia década.
Não acredita? Em 1980, o Brasil havia se determinado a
realizar uma Missão Espacial Completa: lançar um satélite nacional, de um
centro de lançamentos nacional, com um foguete nacional. Se esse plano tivesse
sido executado com determinação e num prazo razoável, poderíamos hoje estar
emparelhados com indianos e chineses. Os brasileiros teriam o direito de sonhar
em explorar outros mundos e enviar astronautas por seus próprios meios ao
espaço. Por que não tem na Agência Espacial Brasileira alguém, agora, neste
exato momento, pensando num plano de exploração científica do Sistema Solar?
Por que temos lideranças tão cegas?
Optamos, historicamente, pela letargia. Até hoje o plano
elementar da Missão Espacial Completa não foi executado. Apenas três tentativas
malogradas de levá-lo a termo, em 1997, 1999 e 2003. A última delas, você deve
se recordar, foi catastrófica, com um incêndio que matou 21 técnicos e engenheiros
em Alcântara. Na ocasião da tragédia, o então presidente Lula havia prometido
um novo lançamento em 2006. Estamos em 2014, e nada. Não é à toa que, entre os
BRICs, somos hoje os patinhos feios. E pensar que, meros cinco anos atrás, a
comunidade internacional imaginava que pudéssemos ser a tábua de salvação do
Ocidente em meio à crise econômica mundial…
Fonte: Folha