27 de ago. de 2012

Resista

Por: Fernando Barbante
Voltando para casa, após dez anos de guerra na planície de Tróia, Ulisses se aproxima dos rochedos onde as sereias costumam pentear os cabelos, dourar a tez e enfeitiçar os marinheiros com o canto sublime e enlouquecedor.

Ulisses, o astuto, se amarra ao mastro da nau e espera ansioso pelo espetáculo, sem correr o risco de, arrebatado pela música, se jogar no abismo das águas. A escuma murmurante do mar sobre as pedras, algumas sereias já surgiam e erguiam histéricas seus longos e fabulosos pescoços, surpresas com o intrépido marinheiro.

Ulisses, segundo ouvira dos velhos aedos, esperava que elas cantassem o segredo da vida, a origem e a razão de todas as coisas, a música que, feito uma trilha sonora da criação, revelasse nos seus versos, a sabedoria profunda do oceano ubérrimo. Seus marinheiros, com cera nos ouvidos, remavam impassíveis, evitando fitar nos olhos os monstros gigantescos a debater suas caudas escamosas sobre os lajedos como se marcassem com elas o ritmo embriagante dos solfejos.

Elas cantaram e Ulisses, ao ouvir, sentiu uma vontade enlouquecida de dançar, pois era na dança inspirada em tal música que guardava o segredo que as sereias ensinavam. Ulisses descobriu que os marinheiros enfeitiçados se atiravam nas águas não por um impulso suicida, mas sim por uma vontade embriagadora de sair dançando e de descobrir, na coreografia, o desejo inasno, a luxúria e o prazer! Mas ele, o esperto Ulisses, estava fortemente amarrado ao mastro. Não pode dançar nem pode entender, assim, o sentido da melodia que encantava a todos que por ali passavam, conduzindo-os a uma armadilha fatal.

Moral da história:

Se a tentação é muito forte, amarre-se ao que você tem de mais forte e valoroso. Pode ser uma sólida formação de caráter, o desejo de justiça, uma tremenda força moral. Se acredita que o "canto" seja por demais inebriante, extasiante a ponto de seduzi-lo(a), tape os ouvidos. Passados os rochedos, o mar irá se revelar calmo, com um horizonte limpo em todo o esplendor da aurora que anuncia boas novas.